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domingo, 31 de julho de 2011

Muita intolerância e discriminação de uma vez só

Sábado dia vinte e três de outubro de 2010, por volta das 14: 00 horas, um pelotão da Polícia Militar da Bahia, invadiu o assentamento D. Helder Câmara, em Ilhéus, levando a comunidade de trabalhadores e trabalhadoras rurais a viverem um momento de terror, tortura e violência racial.

Os fatos: Ao ser questionado pela coordenadora do assentamento e sacerdotisa (filha de Oxossi) Bernadete Souza, sobre a ilegalidade da presea do pelotão da polícia na área do assentamento, por ser este uma jurisdição do INCRA – Instituto Nacional e Colonização de ReformaAgrária e, portanto a polícia sem justificativa e sem mandato judicial não poderia estar ali. Menos ainda, enquadrando homens, mulheres e criaas, sob mira de metralhadoras, pistolas e fuzis, o que se constitui numa grave violação de direitos humanos. Diante deste questionamento, o comandante alegando “desacato a autoridadeautorizou que Bernadete fosse algemada para ser conduzida à delegacia. Neste momento o orixá Oxossi incorporou a sacerdotisa que algemada foi colocada e mantida pelos PMs Júlio Guedes e seu colega identificado como “Jesus”, num formigueiro onde foi atacada por milhares de formigas provocando graves lees, enquanto os PMs gritavam que as formigas eram paraafastar satanás”. Quando os membros da comunidade tentaram se aproximar para socorrê-la um dos policiais apontou a pistola para cabeça da sacerdotisa, ameaçado que se alguém da comunidade se aproximasse ele atirava. Spray de pimenta foi atirado contra os trabalhadores. O desespero tomou conta da comunidade, criaas choravam, idosos passavam mal. Enquanto Bernadete (Oxossi) algemada, era arrastada pelos cabelos por quase 500 metros e em seguida jogada na viatura, os policiais numa clara demonstração de racismo e intolerância religiosa, gritavam “fora satanás”! Na delegacia da Polícia Civil para onde foi conduzida, Bernadete ainda incorporada e bastante machucada foi colocada algemada em uma cela onde havia homens, enquanto policias riam e ironizavam que tinham chicote para afastar “satanás”, e que os Sem Terras fossem se queixar ao Governador e ao Presidente.

A delegacia foi trancada para impedir o acesso de pessoas solidarias a Bernadete, enquanto os policias regozijavam – se relatando aos presentes que lá no assentamento além dos ataques a Oxossi (incorporado em Bernadete) também empurraram Obaluaê manifestado em outro sacerdote atirando o mesmo nas maquinas de bombear água. Os policias militares registraram na delegacia que a manifestação dos orixás na sacerdotisa Bernadete se tratava de insanidade mental.

A comunidade D. Hélder Câmara exige Justiça e punição rigorosa aos culpados e conclama a todas as Organizações e pessoas comprometidas com a nossa causa.

Contra o racismo, contra a intolerância religiosa, contra a violência policial, contra a violência à mulher, pela reforma agrária e pela paz.

Projeto de Reforma Agrária D. Hélder Câmara
Ylê Axé Odé Omí Uá
Ações do documento

Estudar sempre ... Mas sem jamais perder a ternura!

Lágrima de Preta



Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
nem sinais de negro
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.


(António Gedeão)

Qual o lugar do feminismo na política?

Há um texto do Idelber Avelar escrito durante aquele quiprocó entre blogueiras feministas e o Luis Nassif que acabei relendo para escrever este post, pois acho que tem tudo haver com algumas coisas que normalmente me incomodam profundamente, até por que como Idelber muito bem resgatou neste texto não é de você que devemos falar.

Quando tu estás diretamente lidando com política e a esquerda o confrontar com o fatídico: Vamos discutir política e não questões pessoais. Normalmente as questões pessoais são aquelas relacionadas com reações, falas ou condutas machistas no dia-a-dia da política, um telefonema intimidando uma militante é tido por seus companheiros como bobagem, sem levar em conta que quase nunca um homem receberia um telefonema desses por bancar determinado posicionamento político, ou então quando em uma reunião um rapaz levanta o tom de voz e vai para cima de companheiras para intimidá-las e assim ganhar a política. Como se apenas os argumentos políticos não bastassem, pois nós não podemos fazer a disputa política, mas apenas as relatorias de reuniões ou secretaria de congressos a articulação da política fina não cabe a nós.

"Quando esses homens são confrontados por uma feminista, seja em sua ignorância, seja em sua cumplicidade com uma ordem de coisas opressora para as mulheres, armam um chororô de mastodônticas proporções, pobres coitados, tão patrulhados que são. Todos aqueles olhos roxos, discriminações, assédios sexuais, assassinatos, estupros, incluindo-se estupros “corretivos” de lésbicas (via Vange), objetificações para o prazer único do outro, estereotipia na mídia, jornadas duplas de trabalho, espancamentos domésticos? Que nada! Sofrimento mesmo é o de macho “patrulhado” ou “linchado” por feministas! A coisa chega a ser cômica, de tão constrangedora". (AVELAR, Idelber)


Quem ler este texto pode se identificar com qualquer um dos casos, mas não, não é de ti que estou falando, mas sim de uma relação social entre homens e mulheres na política que é baseada também no arraigado machismo existente na sociedade, onde as mulheres que denunciam violências e abusos são taxadas de histéricas, aqueles que articulam política seja em qual movimento for não estão longe da sociedade e de como as relações sociais são constituídas e se pretendem mudar a sociedade é necessário compreender que a política geral se faz também com o enfrentamento real do machismo em conjunto com o enfrentamento do capitalismo.

Fazer a dissociação entre a luta política e a luta contra o machismo é no mínimo cruel com as mulheres, pois não são lutas dissociadas. Parece que é preciso dizer com todas as letras sempre e mesmo assim elas não são lidas ou ouvidas: Meus caros não haverá transformação real se isso não passar também por uma tranformação social nas relações sociais entre mulheres e homens. O machismo interfere diretamente na política, pois como vamos mudar a sociedade sem mudar as relações sociais? Isso também é política, menosprezar o que as mulheres falam ou revindicam como se fossem pautas menores e coisa de histéricas é no mínimo cegueira política. Poderia dar milhões de exemplos de casos e mais casos de machismo para mostrar que o padrão é o mesmo e não são questões pessoais, fazem parte do relacionamento social baseado na exploração e opressão vivido por nós e perpetuado geração após geração.

Mas por que há coisas que os homens podem fazer e as mulheres não? Por que também na política e na esquerda há engendrado a lógica do lugar social da mulher, uma boa dirigente é aquela reservada, organizada e que não questiona as decisões políticas de seus companheiros homens, como uma boa esposa dos anos 50. O lugar da mulher na política é o do secretariado ou então de dirigir o debate de gênero, algo para além disso já é sair muito do seu papel.

"É mais fácil para os homens, digo, homens da esquerda, se relacionar com mulheres sem consciência e concepção feminista. Pois, no fundo, oprimir alguém para que esta dependa de alguma forma – seja subjetiva ou objetiva -, é mais fácil e mais cômodo". (ALLI, Flávia)


Tivemos que arrancar os nossos direitos políticos a força e muitas vezes sem o apoio daqueles que estavam na mesma classe que nós e pregavam a igualdade de direitos e liberdade, é um dos motivos de existir sim uma dívida enorme da esquerda com as mulheres. Na teoria política também somos raramente lembradas, ou melhor, normalmente quem lembra das direções mulheres são as feministas para os outros isso passa desapercebido. Sim, há uma dívida brutal da esquerda com o feminismo, pois não há como pensar a luta revolucionária sem a participação das mulheres e enquanto a esquerda não encarar com seriedade os casos de machismo que acontecem em seu seio mais difícil será avançar, pois como disputar a sociedade para um projeto de igualdade se nem em nossas próprias fileiras conseguimos garantir esta igualdade? Compreender este compromisso com as mulheres é essencial para podermos construir uma nova sociedade, moral, ética e seres humanos e enquanto tratarmos a desigualdade de gênero como um debate que não é político recairemos em erros históricos.

Estamos falando sobre uma situação social concreta e não sobre você especificamente, parafraseando o Idelber.

Dia Internacional da Luta e Resistência da Mulher Negra

PARABÉNS A TODAS AS MULHERES NEGRAS GUERREIRAS PELO SEU DIA E QUE ELE SEJA MARCADO PELA REFLEXÃO E LUTA PELA IGUALDADE  NESTE MUNDO DESIGUAL, A LUTA SEGUE. E PRA QUEM NÃO SABE SOBRE O DIA É SÓ LÊ ABAIXO O RESTO DA MSG.

Por Latoya Guimarães

A 25 de julho de 1992 durante o I Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-caribenhas, em Santo Domingos, República Dominicana.  As Mulheres  Afro Latino Americanas e Caribenhas definiram que  este dia seria o marco internacional da luta e resistência da  mulher negra

O 25 de Julho é uma data demarcatória de identidades e trajetórias  invisibilizadas,  é a contestação o rompante com o  mito da mulher universal.  Somos mulheres negras e somos diferentes trazemos em seus corpos, alma e  espiritualidade a dimensão de gênero e raça.

Nessa data queremos resgatar e reescrever nossa história, queremos falar de feminismo negro, queremos falar de nós mesmas de nosso cabelos, de nossas sexualidade, de nossas referências de nossos saberes e segredos herdados de nossas ancestrais e preservados por  mulheres negras de coragem e auto- determinação.

O 25 de julho é um dia proposto para a sociedade, para o feminismo  refletir  as diferenças e as desigualdades entre as mulheres; um feminismo libertador para transformar as condições de vidas de todas as mulheres tem que se propor a trabalhar e valorizar as diferenças e combater as desigualdades entre as mulheres.

Nesse  25 de Julho nós negras jovens feministas, jovens feministas, saudamos as mulheres negras que no passado construíram o alicerce da luta negra feminista.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Discriminação Étnico/Racial

Médico é preso por racismo no Espírito Santo

Um médico foi preso em flagrante em Linhares (137 km de Vitória, ES) acusado de racismo. Em depoimento à polícia, ele confirmou que chamou uma paciente de "negrinha safada".

Ontem, a Polícia Militar foi acionada para atender uma ocorrência de agressão no Hospital Geral de Linhares. No local, a PM foi informada pela paciente e por testemunhas que o médico, um clínico geral, havia xingado a mulher e se recusado a entregar um atestado médico a ela.

O médico, de 66 anos, e a mulher, de 24 anos, foram encaminhados ao Departamento de Polícia Judiciária do município. Em depoimento, a mulher, que é costureira, disse que estava com dores nas costas e que foi atendida pelo médico no pronto-socorro do hospital. A costureira, ainda de acordo com o depoimento, pediu um atestado médico, o que foi negado por ele.

Depois, quando deixava a sala, ouviu o médico a xingar de "negrinha safada". Segundo a costureira, outras pessoas ouviram o insulto.

O medico afirmou, em depoimento, que a costureira solicitara atestados referentes a consultas na segunda-feira e na terça-feira. Ele alegou que não forneceu os documentos porque não a havia atendido na segunda-feira e porque não constatara sinais de doença na consulta de ontem.

De acordo com o médico, no momento em que um vigilante do hospital entrou na sala para pedir remédios, a costureira, que deixava a sala, o xingou com palavrões e ele respondeu dizendo "negrinha safada, você me respeite, pois eu tenho idade para ser seu avô".
O médico, que continua preso, foi autuado por injúria qualificada, crime que prevê detenção de um a três anos. A Polícia Civil informou que o médico não havia apresentado advogado até hoje.


domingo, 24 de julho de 2011

Conceitos abordados no Módulo 1

Aqui você encontra alguns conceitos abordados durante o Modulo 1 - Políticas Públicas e Promoção da Igualdade.

"Vadias" saem em Marcha pelo respeito à mulher

Batom, Salto e decote. Mini-saia, calcinha e bíquini. Mulheres saíram às ruas de Natal na tarde deste sábado, 23, para participar da Marcha das Vadias - protesto mundial pela mudança de cultura da violência doméstica e do desrespeito. A passeata ocorreu em Ponta Negra e teve seu término na "rua do Salsa". No trajeto, o objetivo era a conscientização da população para a temática.

                                                         Rodrigo Sena
Centenas de homens e mulheres participaram da marcha

Apesar de a marcha reivindicar o respeito às mulheres, não faltaram homens para apoiar e criticar o machismo. Para uma das apoiadoras do protesto, Jolúzia Batista - coordenadora do coletivo Leila Diniz -, o objetivo era demonstrar a indignação da realidade atual do tratamento recebido pelas mulheres. "Tentamos desmontar a cultura de que a mulher não pode se vestir da forma que entender. De que a forma como se veste justifica a violência sofrida. É uma reação também contra o conservadorismo", informou.

Segundo ela, o preconceito se espalha pelo mundo e aqui em Natal não é diferente. "Estamos em uma cidade litorânea e é natural que a cultura das roupas que vestimos exponha o nosso corpo. E não é por isso que estamos pedindo para ser violentadas", esclareceu Jolúzia Batista.

O movimento contou com a aceitação da jovens, que marcaram presença. O público foi plural. A agente de saúde Daguimar Francisca da Silva, de 51 anos, estava à caratér, com vestido brilhante e colado. "A roupa não diz que eu sou. O preconceito existe em toda a sociedade e a com as mulheres, isso é acentuado", disse.


                                                         Rodrigo Sena
Mulheres pintaram o corpo para protestar


Para a professora Isabel Gomes, também presente na Marcha, a mulher tem que deixar de ser mal vista quando sai e se veste da maneira que considera adequada. "O corpo é nosso. Aqui em Natal existe o preconceito de que se eu me visto de tal forma, sou 'piriguete'. Temos que discutir a igualdade e a liberdade", afirmou Isabel.

Este ano, a Marcha das Vadias ganhou as ruas de várias cidades brasileiras, entre elas São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Fortaleza. Mulheres com saias curtas, de salto alto e até só de calcinha e sutiã saíram às em protesto. Em São Paulo, a marcha reuniu no início de junho cerca de 300 pessoas.

Sobre a marcha: O movimento inicial "Marcha das Vagabundas" aconteceu em abril deste ano, quando alunas de uma universidade no Canadá resolveram protestar depois que um policial sugeriu que as estudantes do sexo feminino deveriam evitar se vestir como ´vagabundas/vadias´ para não serem vítimas de abuso sexual. No Canadá, as mulheres resolveram exigir mais do que um pedido de desculpas.A primeira marcha reuniu cerca de 3 mil participantes vestidas de forma provocativa ou comportada para chamar a atenção para a cultura de responsabilizar as vítimas de estupro. Foi o estopim para que outros eventos semelhantes se espalhassem por várias cidades dos Estados Unidos e Europa. Em Natal, "as mulheres poderam ir vestidas daforma que bem entenderem", segundo os organizadores do evento.







Entrevista com Luiza Bairros

Esta primeira postagem é uma entrevista feita por Maurício Pestana, com Luiza Bairros, uma das fundadoras do Movimento Negro unificado (MNU).


Luiza Bairros, de 57 anos, é gaúcha de porto Alegre e uma das fundadoras do Movimento negro unificado (MNU). Fez sua graduação em Administração pública e Administração de empresas, no sul, e pós-graduação em Sociologia, na Michigan State university, nos estados unidos. Moradora de Salvador há mais de 30 anos, tornou-se pesquisadora associada do Centro de Recursos humanos/ CRH, da universidade Federal da Bahia (UFBA) e fundou, em parceria com a Conferência nacional de Cientistas políticos negros (uma organização norteamericana), o Projeto Raça e Democracia nas Américas, que promove a troca de experiências entre estudantes de pós-graduação afro-brasileiros e pesquisadores afro-norte-americanos. Luiza também foi professora de Sociologia da Faculdade de direito da universidade Católica do Salvador (UCSAL). Em 2008, trouxe para dentro do estado da Bahia toda a sua experiência na luta contra o racismo e o seximo, à frente da Secretaria de promoção da Igualdade, criada em 2006. Agora, como Ministra da Igualdade Racial do Brasil, Luiza assume um novo desafio, sem perder o olhar do movimento social.

Luiza Bairros

A senhora é gaúcha e reside faz muitos anos na Bahia, com vasta experiência em estudar a questão racial no Brasil e no mundo. Em que a Bahia difere, e o que tem em comum no âmbito da questão racial com outros lugares?

A grande diferença na Bahia é o peso da população negra dentro da população total do estado. Algo que não é apenas numérico, mas que também influencia. Toda a cultura baiana bebe fundamentalmente da contribuição das culturas de matriz africana que vieram para o Brasil e para a Bahia. Essa é a grande diferença, pois também faz existir na Bahia uma minoria branca muito mais coesa do seu lugar, dos seus espaços de poder. Portanto, as consequências ou os efeitos do racismo sobre a população negra na Bahia tende a ser um pouco mais pronunciados do que em outros Estados.

Eu não estou querendo dizer que exista um racismo na Bahia que seja pior do que em outros lugares, e sim que determinadas condições históricas e culturais produzem racismos que são diferenciados. Não é à toa que causa muito espanto para muitas pessoas o fato de Salvador só ter tido até hoje um único prefeito negro, a cidade que é o centro da influência negra no estado. É como se, de certa forma, os negros da Bahia tivessem sido colocados no lugar de provedores e mantenedores de uma cultura diferenciada , mas que não necessariamente essa força possa ser traduzida em outros espaços da vida social.

O quadro tem mudado nos últimos anos e a tendência é mudar cada vez mais, a partir do trabalho dos movimentos negros, quando estes oferecem uma consciência crescente de que esse espaço e essa influência que se tem no núcleo que se chama baianidade precisa ser refletida em outros espaços, em outros lugares, inclusive na política, no comando da cidade e do centro.


A senhora milita há muitos anos na questão racial. Qual diferença em atuar como militante na questão racial e ser secretária do Estado, quais os principais embates?

Em primeiro lugar eu sempre digo uma coisa: o Movimento Negro Unificado (MNU) mantinha na sua carta de princípios algo que ,para mim, continua valendo: o dever do militante é combater o racismo onde quer que ele se faça presente. Então, tanto faz estar no movimento social quanto na estrutura do Estado, pois o combate permanece como tarefa principal. O que muda, e bastante, é a forma de fazer as coisas, pois o Estado é todo regulado. Existem normas e regras para absolutamente tudo o que se queira fazer, e é preciso que todas as iniciativas que nós temos se submetam a elas. Nesse sentido, torna a nossa atuação menos livre, por assim dizer, pois não tem como propor e fazer coisas que estejam fora daquilo que o projeto político do governo coloca.


Mas não existe conflito entre ser governo e movimento social?

Absolutamente, não existe conflito entre ser militante e gestora à medida que se reconheça as diferenças entre esses dois espaços. Permanece como gestora o compromisso com os direitos do povo negro, permanece como gestora o compromisso no combate ao racismo, mas entre a atuação no movimento social e a atuação do governo o que acontece é uma tradução. Nós traduzimos no governo aquilo que os movimentos sociais propõem. Mas essa tradução, como se sabe, nunca é literal. Existem diferenças do ponto de vista do sentido, existem adaptações que precisam ser feitas para que aquela agenda seja entendida nos termos que o Estado opera. Eu sempre coloco como exemplo que o movimento social negro colocou muito explicitamente a questão do combate ao racismo. No Estado, entretanto, nós trabalhamos com a noção de promoção da igualdade, o que não é necessariamente a mesma coisa, porque em muitos sentidos é possível promover a igualdade entre brancos e negros sem que o racismo seja removido.


Dê um exemplo.

Os Estados Unidos. Não há dúvida que, ao longo dos anos, uma parcela significativa da população afroamericana conseguiu uma inserção digna na sociedade de lá, sem que o racismo tenha acabado. Existe, portanto, essa oportunidade de se reconhecer direitos, sem que a opinião média das pessoas brancas a respeito dos negros mude fundamentalmente. É um jogo bastante complexo, mas é preciso estar muito consciente dele para que não se frustre a nossa participação dentro do Estado com expectativas que, em determinados momentos, não podem ser atendidas.


Quilombo, religião de matriz africana, juventude, segurança pública... Qual é a área mais delicada que o Estado tem que atuar na questão racial?

Todas as áreas apresentam algum nível de dificuldade. Das que você citou, considero as comunidades quilombolas. Nós tivemos uma facilidade relativamente maior de trabalhar essa questão na estrutura do Estado. No que se refere aos quilombos e se pensarmos no ponto de vista das diretrizes estratégicas da Bahia, as nossas ações relativas se inserem na diretriz da promoção do desenvolvimento com a inclusão social e, como existe uma população rural que clama e sempre clamou por uma inclusão mais efetiva aos programas sociais, de infraestrutura e de incentivo à produção, nós conseguimos, então, inserir as comunidades quilombolas dentro dessa outra agenda mais ampla. E os serviços e benefícios também chegam juntos. Existe sempre a possibilidade de emergirem conflitos de terra. Sempre há um fazendeiro disputando aquele espaço e isso é o que tem provocado uma lentidão maior nas possibilidades.


E as religiões de matrizes africana?

Aí a dificuldade é mais em função da novidade do tema. Especialmente no caso da Bahia, os terreiros de candomblé ou pelo menos alguns deles, sempre foram reconhecidos por quem estava no poder, mas eu acredito que naquele período o tipo de relação que se estabelecia era uma pouco respeitosa com essas religiões à medida que se davam em cima de uma relação de clientelismo. O que nós temos procurado fazer agora é eliminar esse viés clientelista dessas, em segundo lugar, evidenciar que a necessidade de se proteger direitos dos terreiros de candomblé é algo que se vincula à questão do racismo, ou seja, a intolerância religiosa é uma questão de racismo nesse caso, pois se trata de religiões que foram trazidas ao Brasil pelos negros. Em terceiro lugar estabelecer um tipo de relação em que não haja interferência do Estado naquilo que exista de sagrado.

No que se refere à questão da juventude e da segurança pública, aí sim temos uma dificuldade de natureza diferente das anteriores, porque não é voz corrente ou uma ideia completamente acentuada em nenhum governo, de que esses conflitos entre a comunidade negra e a polícia não tenham uma base de racismo na sua origem. Existe uma dificuldade muito grande de se compreender isso dessa forma, na verdade, existe uma permanente negação de que o racismo possa ser uma das causas principais do porquê os negros são abordados pela polícia de forma mais frequente nas ruas, do porquê os jovens negros são objeto de ações muitas vezes mais violenta da polícia. Esse é um campo que temos ainda um longo caminho para percorrer.


Sua geração chegou ao poder, principalmente com a Dilma. E, mesmo assim, nós negros não chegamos juntos. Nossa representação ainda não é representativa. Como a senhora analisa essa questão?

É muito difícil falar dessas relações entre negros e brancos sem colocar o racismo no meio. Eu nem sempre fico utilizando o racismo como uma espécie de bode expiatório, em absoluto. A verdade é que o movimento negro, ao longo das últimas décadas no Brasil, sempre atuou em um espaço que não foi totalmente absorvido como parte da política em geral que se fez pela democratização da sociedade brasileira.

Nós não fomos contados como parte desse esforço que a sociedade fez e ainda faz para que nós tenhamos um país efetivamente justo, onde as pessoas possam participar com seus talentos, contribuir com suas histórias e experiências. Então, não termos chegado ao poder, ao mesmo tempo em que a geração de militantes brancos chegou, é em parte explicado por isso. Nós fizemos parte de um espaço de atuação política sem que se fossem feitas ou produzidas alianças de maneira que pudéssemos ser vistos como parte da solução no Brasil e não como parte dos problemas. A maior parte do tempo da nossa militância foi gasta e investida no sentido de provar para outras pessoas a legitimidade da nossa luta.

"O movimento social negro colocou muito explicitamente a questão do combate ao racismo. No estado, entretanto, nós trabalhamos com noção de promoção da igualdade, O que não é necessariamente a mesma coisa porque em muitos sentidos é possível promover a igualdade entre brancos e negros sem que o racismo seja removido".


E quando a senhora acha que conseguimos isso?

Em 1988, naquele processo do centenário da abolição, em que eu considero que a questão racial ganhou debate público, efetivamente. Edson Cardoso escreveu um trabalho naquele período analisando a imprensa brasileira e os principais jornais do país. É muito importante observar como nos editoriais e nos artigos que saíram durante aquele ano, nós do movimento negro não éramos nomeados. Éramos referidos como alguns setores, alguns grupos, mas não se dizia que existia um movimento negro.


Então, esse não reconhecimento do movimento negro como interlocutor político válido no Brasil provoca esse déficit que ainda temos?

Acredito que sim, mas penso que a tendência é que essa invisibilidade diminua. Ao mesmo tempo em que coloco isso, reconheço outras coisas. Nós temos nos governos estaduais órgãos como a SEPROMI, na Bahia, o que denota o fato de que, nessas discussões de qual é o papel do governo e quais são as ações prioritárias, as nossas questões de um certo modo têm que entrar e são contempladas. Isso está expresso nos planos plurianuais de vários governos, algo impensável até pouco tempo atrás. Está presente no próprio debate do Governo Federal quando da criação da SEPPIR, não há dúvida com relação a isso. Agora, o que nós precisamos é potencializar todos esses espaços, o da SEPROMI inclusive, para que possamos nos debates das prioridades e nas decisões (às vezes, até quase diárias) que se tomam dentro do governo do Estado, que se leve em consideração algo que para nós é um princípio: o da promoção da igualdade.


Qual foi o seu principal desafio como secretária de Estado?

Esses são os primeiros quatro anos de existência da secretaria sem que nós tivéssemos um modelo a seguir. Porque ela foi, diferentemente de outros lugares e do próprio Governo Federal, criada para atender tanto a promoção da igualdade racial como as políticas para as mulheres. Então, juntar em um mesmo espaço essas duas agendas enormes é um desafio permanente. Especialmente no caso da Bahia, implica em fazer também outro tipo de esforço para quebrar certa tradição, pois quem trabalha com igualdade racial não fala da mulher negra e quem trata de políticas para as mulheres tampouco trata de mulher negra também.

Quando se fala nos negros, em geral, são sempre os homens, e quando se fala nas mulheres, em geral, são sempre as mulheres brancas. Então, esse esforço de falar em políticas e a necessidade de incluir as mulheres negras, de falar e fazer em questão da igualdade racial, inclui, necessariamente, mulheres, homens, negros, crianças... Foi extremamente desafiante. Outro aspecto que é muito pouco observado é que essas agendas novas que trazemos para o governo demandam um tipo de profissional que, geralmente, não existe dentro do governo ou existem em poucos números.


O que de mais importante e palpável para a população o órgão que a senhora dirige pode oferecer?

As pessoas ou os grupos para os quais as políticas públicas se dirigem não estabelecem departamentos na sua vida, suas necessidades em educação, em saúde ou trabalho. As pessoas vivem essas necessidades e essas demandas de uma forma conjugada, até porque a saúde que eu tenho vai determinar as minhas possibilidades como força de trabalho, vai determinar as minhas possibilidades como pessoa que estuda e quer ter acesso ao conhecimento. A minha inserção no mercado tem relação com o tipo de educação que eu tive e por aí vai. Do lado do governo, temos também que pensar nas dimensões da vida das pessoas como coisas interligadas, se quisermos que o resultado seja concreto na vida delas.


Fonte: Revista Raça. Disponível em: http://racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/150/paginas-pretas-agora-ministra-205527-1.asp. Acesso em: 16 jul. 2011.